top of page

GIGANTES DE PEDRA

Músicos rapanui oferecem ao Mundo a ancestralidade globalizada da Ilha de Páscoa.


Por FELIPE VIVEIROS*

GIGANTES DE PIEDRA (Español)
.pdf
Download PDF • 447KB

Itto Parakati nasceu em 1984, filho de um casal rapanui. Começou sua jornada musical aos 12 anos de idade e com um violão quebrado, é canhoto e foi forçado a tocar com a mão direita. Apaixonado por música, tocava as notas de seu violão em segredo, com a mão esquerda. Hoje Parakati não só é um dos poucos músicos que cantam em Rapanui, como também é um dos poucos artistas do mundo que toca violão com as cordas invertidas, colocadas de cima para baixo, como um Jimi Hendrix da Ilha da Páscoa.


Itto Parakati não está só. Nasceu e foi criado em um pedaço de terra menor que Ilhabela (SP), sem trânsito, sem balsa, sem feriado prolongado, no berço da civilização rapanui. Reza a lenda, o chefe polinésio Hotu Matu'a –o "Grande Pai"– cruzava o Oceano Pacífico com a família quando decidiu aportar na mágica Ilha de Páscoa. Colonizada pela própria família, o patriarca foi o seu primeiro rei.


Bem longe da ilha no litoral paulista, estima-se que foram colonizadores originários da Polinésia, a partir do ano 1.000 d.C., que ergueram os tão conhecidos "moais" na Ilha da Páscoa. A pergunta até hoje não respondida é: Como conseguiram isso? Entre 1.100 e 1.400, mais de 900 estátuas gigantes foram construídas, muitas com 10 metros de altura e dezenas de toneladas. O esforço para entender o que foi a civilização rapanui é tão grande quanto o esforço que teria sido usado para erguer tamanhos titãs de rocha em uma ilha remota da Oceania. O moai mais alto tem 20 metros, maior que muitos prédios da cidade de São Paulo. As explicações são variadas e muitas teorias cogitam a possibilidade de que até extraterrestres tenham participado do feito.


foto: chile travel


Coisa de outro mundo ou não, a cultura Rapanui está em alta, tanto quanto os moais que garantiram fama à ilha. Os músicos têm crescente e constante produção no território habitado mais isolado do mundo. A banda Topatangi, por exemplo, cultiva o folclore rapanui em um equilíbrio divertido de sons nativos, country e sopros dançantes de pop-rock. Parece muito para uma ilha de 163 km2, mas os estilos musicais não disputam espaço na Ilha da Páscoa, coexistem. E como!


Topatangi surgiu em 1998, com Tomás Tepano no cavaquinho taitiano e Peteriko Pate na guitarra. Juntos, compuseram a canção "Hokulea", sucesso estrondoso na ilha. Adicionaram, então, bateria, baixo elétrico, violão acústico e percussão ao som típico do folclore rapanui. Isolados do resto do mundo, o grupo gravou o álbum "Moevarua" e fez com que a banda se estabelecesse na cena musical como referência de estilo da ilha. Ficaram perto de tudo e de todos.


Boa parte da história do povo rapanui ainda é desconhecida. Sua quase extinção ainda não traz porquês definidos. E nem precisa. Bandas como Topatangi estão consagrando o povo e consolidando não só em pedra, mas em música, a fama da ilha perdida no Pacífico. Em 2004, foi gravado o disco "A'ati hoi" que alavancou a visibilidade do conjunto e o levou para turnês no Taiti e Nova Caledônia. "A'ati hoi" é o disco mais famoso da banda e está disponível na íntegra no Spotify.


foto: acervo topatangi


Achou pouco uma turnê pelo Taiti e Nova Caledônia? Anexada pelo Chile em 1888, a Ilha de Páscoa se encontra geograficamente na Oceania, a 3.000 km de distância do país sul-americano. Conhecida também como "Polinésia Chilena", o povo rapanui está no limite da polinésia oriental e sem limite no alcance de sua cultura. São apenas 5.000 habitantes, dos quais 60% são rapanui, como os membros da banda de reggae Tumu Tapu, que tem um estilo fortemente influenciado pela música polinésia.


Formado em 2012, o grupo já se apresentou no Festival Rockódromo, no Chile. Em sua primeira visita ao continente exibiram músicas que mostram a realidade local da Ilha de Páscoa, com mensagem que vai muito além do místico e contempla o social, o político e o ambiental de maneira criativa em Rapanui, Francês, Espanhol e Inglês.


foto: acervo tumu tapu


Conhece Francês, Espanhol e Inglês, mas perdeu a data de matrícula no curso de Rapanui? As bandas da Ilha de Páscoa são uma boa oportunidade para entrar em contato com a língua da família malaio-polinésia, similar ao havaiano e de fonética parecida com a dos maori.Para quem já fez o curso de maori com o filme "Boy" aqui na Cultura do Resto do Mundo, o Rapanui é fácil de aprender. Mas, atenção! Estrangeirismos do taitiano e do espanhol também são usados no idioma. Escute cada palavra das letras das canções com atenção, pois escutar música rapanui é um privilégio: só há 2.500 falantes do idioma no mundo.


Um deles que merece destaque é Yoyo Tuki, nascido e criado na Ilha de Páscoa. Yoyo Tuki é músico e embaixador cultural rapanui. Integrante de família de grande relevância cultural, Yoyo foi influenciado pelo seu avô "Mana Roa", um dos maiores escultores da ilha. Teria sido Mana Roa quem esculpiu os mais de 900 moais espalhados no pequeno pedaço de terra do Pacífico? Com certeza, não. Mas, a emblemática figura é considerada por muitos nativos como o guardião da sabedoria antiga. "Mana Roa", significa "grande sabedoria".


Yoyo Tuki, neto de grande sabedoria, usa o seu talento para transmitir mensagem cultural para o imenso mundo não rapanui. Seus ouvintes são guiados pela tradição musical da ilha e capturados de maneira sonora em um arranjo moderno, que também conta com gatilhos linguísticos do Espanhol e do Inglês. O poder da música de Yoyo consiste em ensinar sobre sua herança cultural. Pequena ilha de cultura infinita, o músico equilibra tradição com inovação, assim como faziam seus ancestrais ao esculpir gigantes nas rochas do Pacífico.


foto: acervo yoyo tuki


Não existe registro escrito sobre os rapanui anterior a chegada dos europeus, que só aconteceu no domingo de Páscoa de 1.722 e originou o nome da região nos dias atuais. Descoberta pelo navegador holandês Jacob Roggeveen, os registros dos rapanuis podem não terem sido escritos antes da sua chegada, mas estavam impressos em pedra, nos moais "vivos" da história do mundo.


Sociedade comandada por um líder único e vários clãs familiares, os rapanui não foram descobertos, descobriam. Tinham mitologia própria. Os moais eram construídos em homenagem a alguém do clã que havia morrido. A posição das estátuas na ilha não é por acaso: de costas para o mar e de frente para o vilarejo, o morto, mesmo na outra vida, podia seguir zelando pelo seu povo.


É isso que a música de Yoyo conta em um arranjo de expressão cultural e respeito pelos ancestrais. Com turnês e festivais realizados na Austrália, Polinésia, América do Sul, EUA e Europa, o músico é um dos artistas mais importantes da cena rapanui. Seu álbum "Hoko Manu" convida os ouvintes para uma jornada polinésia de esperança, reflexão e dança insular.


Banda de peso, Amahiro, veio para deixar ainda mais misteriosa a história e cultura rapanui. Fundada pelo cantor e compositor nativo Mario "Ama" Tuki, o grupo gravou maior parte de seu álbum de estreia "Tapu" no icônico Tokerau Studio na Ilha de Páscoa.


foto: acervo amahiro


"Tapu" significa "consagração" e foi o álbum que deu vida às composições de Mario "Ama" Tuki ao longos dos anos. Lançado em 2016, a produção provou que a banda tem potencial para eventos e festivais fora da ilha. Grupo musical contemporâneo, Amahiro entrega um som remoto, entretanto o mais perto do que se pode chegar de um poderoso rock indígena, com turnês internacionais pela França e Inglaterra. Um som nativo e ao mesmo tempo global, as músicas da banda fluem nos ouvidos de todos os tipos de público em umblendperfeito de herança polinésia com influências do louco mundo globalizado. Suas letras discutem a vida, a cultura e história dos membros da banda em melodias nuas com adereços, de ritmos crus, mas sofisticados.


A Ilha de Páscoa veio para mostrar que seu povo não é desconhecido e que merece atenção. Artistas como Itto Parakati, Topatangi, Tumu Tapu, Yoyo Tuki e Amahiro mostram que a mistura de cultura nativa e linguagens do mundo globalizado podem coexistir e trazer um suspiro moderno de ancestralidade. De costas para o mar e de frente para o mundo, os músicos da Ilha de Páscoa zelam pelo seu povo e despertam interesse pela história futura de um povo milenar. São chilenos no papel e filhos de Hotu Matu'a na prática. Gigantes de pedra.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).



  • Facebook
  • Instagram
  • Spotify
bottom of page