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SERENATA POLÍTICA

Baron Waqa, ex-presidente de Nauru, é o músico mais conhecido do país. Conhecedor do poder da música e da música do poder.


Por FELIPE VIVEIROS*


Poucos, muito poucos conhecem o terceiro menor país do mundo – atrás apenas do Vaticano e de Mônaco. Uma nação de 10.000 habitantes falante de um idioma com origem desconhecida e sem gramática escrita. Um dos países mais ocidentalizados do Pacífico Sul, habitado pela primeira vez, há pelo menos 3.000 anos, por micronésios e polinésios e que tem, nas rugas do tempo, marcas de colonialismo. Desprenda-se do mapa-múndi que já conhece e dê uma chance a um dos menores Estados do Planeta: a República de Nauru.


Caso você não seja um geógrafo bem informado, é muito provável que nunca tenha ouvido falar desse país insular de 21 km2 , localizado na Oceania. Não se preocupe, você não está sozinho. Nem mesmo a História ou a Geografia sabem a origem dos primeiros habitantes de Nauru, ou a data exata de quando chegaram à ilha. Acredita-se que um longo período de relativo isolamento seja responsável pela singularidade de sua língua nativa. À época do desembarque dos europeus, no início do século 18, a sociedade nauruana consistia em 12 clãs matrilineares, representados na estrela de 12 pontas na sua bandeira nacional.


Hoje, com um sistema parlamentar de governo, Nauru é a menor república do globo terrestre. Não tem nenhuma estrutura formal de partidos políticos e todos os candidatos concorrem como “independentes”. O presidente é o chefe de estado e o chefe de governo, precisa da confiança apenas do parlamento (unicameral) para permanecer no cargo. Uma de suas personalidades públicas mais notáveis, foi presidente de 2013 até 2019 e conquistou fama, no continente oceânico, por razões maiores que o tamanho da ilha: é um dos poucos cantores e compositores de Nauru.


Referência musical da pequena nação do Pacífico Sul, o ex-presidente Baron Waqa – que também foi ministro da Educação de 2004 a 2007 – sabia do poder da música e da música do poder. Não é por casualidade que Waqa é político e um dos poucos compositores de Nauru. Tem consciência da capacidade sonora da política e da importância rítmica das Relações Exteriores. A música de Nauru foi documentada pela História, de maneira parcial, frente à proibição das danças tradicionais pelas autoridades coloniais após a anexação pela Alemanha, em 1888.


foto: Pacific Islands Forum


Nauru foi anexada e reivindicada como colônia pelo Império Alemão, no final do século 19. Depois da Primeira Guerra Mundial, o território tornou-se um mandato da Liga das Nações administrado pela Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido. Durante a Segunda Guerra Mundial foi ocupado por tropas japonesas. E não parou por aí. Após o fim do conflito, o pequeno país do Pacífico entrou em “gestão fiduciária” das Nações Unidas, conquistando sua independência apenas em 1968. Baron Waqa então estreita os laços com as potencias regionais da Oceania, e lembra os antigos colonizadores que a música do país – diferente de sua História recente – tem forte herança polinésia e micronésia.


Em 2018, durante a visita da Primeira-Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, quando do Fórum das Ilhas do Pacífico em Nauru, o presidente Waqa compôs letra e melodia em sua homenagem. Fez, nada mais nada menos, do que uma serenata para a líder do gabinete neozelandês, com uma canção intitulada Aotearoa our friend, Jacinda our new star in the sky, (“Nova Zelândia nossa amiga, Jacinda nossa nova estrela no céu”). A primeira-ministra dançou e filmou o momento em seu celular, enquanto o governante tocava violão apoiado por um coro de habitantes locais: "Deixem a bandeira hastear no alto da Nova Zelândia / Deixem o mundo inteiro saber / Vamos construir um Pacífico forte / O nosso Pacífico, a nossa ilha, a nossa vontade / Unidos estamos de pé em um Pacífico azul.” Teria Baron Waqa composto a canção apenas por amor à arte? Quando a música representa um fenômeno político, não recorre ao senso comum. O som pode ser esperto, capcioso e reivindicatório. Criaram-se vínculos, quebraram-se os protocolos cerimoniais.


O ponto central do Fórum das Ilhas do Pacífico foi a assinatura da Declaração de Boe, sobre segurança regional. O “Pacífico azul”, enfatizado na letra de Baron Waqa é bonito, mas não apenas poético. Refere-se ao empenho dos membros do Fórum na ideia de uma gestão de segurança compartilhada no Oceano Pacífico. A Nova Zelândia não é amiga por afinidade, é uma das principais fornecedoras de ajuda humanitária e de assistência em catástrofes na região. Um presidente trovador sabe que promover a prosperidade “do povo do Pacífico” é mais fácil quando soma além de 10.000 habitantes. É preciso que a comunidade internacional cante, uníssona, a mesma música da região, especialmente quando objetiva alterações climáticas que não afetarão só a economia, mas a existência de um pequeno país-ilha que corre o risco de desaparecer. Na serenata das Relações Internacionais, quando a balança de poder tende para o lado mais forte, é a música que equilibra a política.


foto: Baron Waqa e Jacinda Ardern / Jason Oxenham via ABC News


A habilidade do ex-presidente em fazer com que a pequena nação do Pacífico seja tratada com respeito e paridade no âmbito internacional, está na perspicácia de sua voz. Em 2019, no 150º aniversário de nascimento de Mahatma Gandhi, o Ministério das Relações Exteriores da Índia lançou um vídeo comemorativo de Vaishnav Jan To Tene Kahiye – canção-oração do século 15, favorita de Gandhi, escrita pelo poeta Narsinh Mehta. O vídeo apresenta cerca de 40 países em um verdadeiro caldeirão de vozes de todo o mundo. Seriam os ídolos da homenagem a Ghandi as grandes potências? Nada disso. A "estrela" do clipe de cinco minutos é o então presidente da pequena República de Nauru. Baron Waqa, durante seu mandato, mostrou que o palco é tão importante quanto o palanque. É a melodia e o ritmo que fazem com que os 10.000 habitantes de Nauru valham tanto quanto os 1,3 bilhões de indianos. Não existe “micro país”. Um Estado forte é aquele que sabe tocar e cantar, com coragem e visão diplomática.


Também em 2019, durante os encontros governamentais "Oceanos da Democracia", um banquete estatal organizado por Baron Waqa foi oferecido à presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen. A líder asiática recordou que, durante a visita do então presidente Waqa a Taiwan, o chefe polinésio cantou a canção You Are My Best Friend enquanto tocava um ukulele feito em Taiwan. O povo taiwanês levou a sério a mensagem de amizade. Tanto que Ing-wen cunhou o gentílico “tairuwanos”, unindo os dois povos em uma só cidadania. Diplomacia Cultural surte efeito. E muito. Desde o início de 2019, Taiwan e Nauru – dois países sem vínculos histórico-culturais – têm usufruído de intercâmbios todos os meses, desde competições esportivas de levantamento de peso até à celebração da independência de Nauru. Os acordes do ex-presidente tocaram os corações dos chefes de governo e de Estado. Nas vielas políticas do som, é ukulele que sabe fazer política. No mesmo dia do encontro, os dois presidentes foram testemunhas da assinatura do Acordo entre o Governo da República da China (Taiwan) e o Governo da República de Nauru sobre a Cooperação da Guarda Costeira. Seguindo a ideia de segurança de Estado, os limites de Nauru estão protegidos pela música.


Entretanto, a arte do som não garantiu que Baron Waqa fosse reeleito. O artista tornou-se ex-presidente após seis anos no poder. Defensor do campo de refugiados da Austrália em território nauruano, Waqa foi acusado de introduzir leis anti-protesto rigorosas, limitar o acesso aos meios de comunicação social e impedir a imprensa internacional de relatar as precárias condições em que viviam os refugiados. Afinado na voz e desafinado na política, Waqa abriu oportunidade para a renovação da trilha sonora na política de Nauru, agora a ser interpretada pelo novo presidente. Esperamos que os erros sejam corrigidos, os direitos humanos respeitados e os valores do som permaneçam. Que a menor república do mundo continue encantando com a serenata da Diplomacia Cultural, uma inteligente e hábil política de Estado.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).


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