Banda filipina December Avenue revela a OPM (Original Pinoy Music), um dos gêneros musicais mais populares do planeta.
Por FELIPE VIVEIROS*
Em tempos de acelerada globalização, supostamente temos acesso às maiores correntes de música dos gêneros mais ouvidos nos mais populosos países. Não se surpreenda se, ao abrir suas playlists do Spotify, os artistas mais escutados sejam Maroon 5, Ariana Grande e Shawn Mendes. Em momentos de muita "aventura cultural", um ouvinte pode até dizer que tem um repertório variado, com ouvidos abertos ao pop sul-coreano, por exemplo, a grande aposta das gravadoras asiáticas e internacionais na última década.
Sem dúvida, de 2010 a 2020, o K-pop passou por uma significativa metamorfose em qualidade, orçamento, investimento e variedade, combinando o rápido crescimento econômico dos países da região com um ressurgimento social e cultural de uma identidade pan-asiática. A influência do K-pop e a saudável independência dos artistas ocidentais refletem nova onda de nova era da cultura mainstream, que reverbera nos ouvidos internacionais. Será mesmo que o K-pop reina sozinho sob sua coroa de hits no continente asiático? A ingenuidade de muitos diria que sim. Ainda subestimado pelo público ocidental, o gênero Original Pinoy Music, mais conhecido como OPM, nos mostra um cenário diferente. O termo é usado como uma classificação abrangente para música popular composta e executada por músicos e cantores filipinos. E de aparente simplicidade e qualidade.
Com mais de 100 milhões de habitantes, as Filipinas são o sétimo país mais populoso da Ásia e o 12º mais populoso do Mundo. Um adicional de 12 milhões de filipinos vive no exterior, o que representa uma das maiores diásporas do mundo. Entre views, plays e streamings, com mais de 10 bilhões de transmissões a OPM é um dos gêneros musicais mais populares do planeta Terra. O estilo, ainda ignorado por nós, é um fenômeno inegável da música mundial e tem influências do pop e do rock em canções de alto teor emocional e letras sinceras. Não conhece OPM? Então, você apenas não ouviu o que bilhões de pessoas já curtiram. Ser grande não significa ser hegemônico.
Com personalidade e autenticidade, as Filipinas caminham com orgulho na contramão do mundo e os anos 2010 assistiram um efervescente surgimento de diferentes cenas independentes de rock. Os festivais de "música original filipina" têm surgido nos últimos anos e sido recorrentes para os entusiastas de rock, com centenas de artistas locais. Enquanto outros países surfam na onda de Maroon 5, Ariana Grande e Shawn Mendes – e até mesmo na crista dos sul-coreanos do BTS – as Filipinas abrem espaço para novas estrelas que estão virando de cabeça para baixo a música da Ásia. O mais recente exemplo disso é o maior sucesso do país: a banda de pop-rock December Avenue.
foto: divulgação
Formada na capital Manila, o grupo é um dos conjuntos de OPM mais difundidos da história das Filipinas. Seus integrantes já declararam, diversas vezes, sua insatisfação com o que o mainstream está produzindo e como a mídia de massa está alimentando a cultura popular na Ásia. Os "rockeiros pop", em um mundo radiofônico que escuta sempre os mesmos artistas dos mesmos países, deixam claro que os fãs de música devem sempre dar uma chance, senão acolher e abraçar, a cena local.
Composta pelo frontman Zel Bautista nos vocais e no violão, Jem Manuel nas guitarra, Don Gregorio no baixo, Jet Danao na bateria e Gelo Cruz nos teclados, a banda teve início na Universidade de Santo Tomas (UST), em 2007. Lançaram o seu primeiro EP, Time To Go, em 2010, e iniciaram uma gradual ascensão ao circuito mainstream. Com um estilo único que se concentra na letra das canções, sua musicalidade flui com pouco marketing e muita sinceridade, em uma dinâmica na qual ouvinte é a banda e a banda é o ouvinte. As letras de December Avenue residem um núcleo de abertura emocional, uma rara e real vulnerabilidade. Suas composições são altamente relatáveis a vida mundana, um verdadeiro super-bonder para corações partidos ou, até mesmo, em processo de mudança em suas vidas. O som dos filipinos é serenata que, simplesmente, toca as janelas do nosso lado mais sensível.
December Avenue mostra, até para os mais céticos, que o "jeito indie" de fazer música pode ser produtivo e lucrativo. Seus membros sem presença na rádio e na TV tomaram os palcos por outras plataformas disponíveis, como a internet. Com rock suave de riffs simples e lirismo fácil, os meninos de Manila foram os artistas mais tocados no Spotify das Filipinas em 2019, deixando para trás as hiper-estrelas do pop Ed Sheeran e Taylor Swift. Um feito inédito para um artista filipino, o que evidencia que tecnologia é uma grande aliada na difusão da cena OPM, e elemento essencial para os artistas independentes.
Não há artifícios na proposta de December Avenue, mas o doce som do pop-rock que ecoa a vida de Manila e expressa sentimentos familiares até para os que estão do outro lado do Mar da China. O grupo renova a música asiática em seu próprio estilo, fortalece a cultura regional e pavimenta um futuro para a dinâmica cultural das Filipinas. Um de seus grandes hits, Eroplanong Papel, se tornou famoso e significativo devido ao seu conceito, uma oração flutuante, como aviões de papel que deslizam contra a gravidade. Escutar December Avenue é não sentir o próprio peso, é perceber que mesmo nossas emoções mais carregadas, flutuam. A história por trás do nome da banda revela por que suas canções evocam tal sensação. December é o último mês do ano, uma avenida que sinaliza nova vida. A banda é mudança bem-vinda, suavidade dentro de nós, lar para contar a nós mesmos nossas próprias histórias até então desconhecidas.
foto: divulgação
A Espanha governou as Filipinas por 333 anos e sua influência pode ser observada na música popular. Os EUA ocuparam as ilhas de 1898 até 1946 e introduziram o rock, que se tornou um dos gêneros mais escutados no país. No final dos anos 1950, artistas nativos adaptaram as letras para o tagalo, resultando nas origens do rock filipino. Algo que contribuiu muito para o aumento constante da popularidade de December Avenue nos últimos anos, foi a decisão do grupo de gravar mais material em tagalo do que em inglês. Desde sua origem, a OPM esteve centrada em Manila, onde os dois idiomas são dominantes. Quase 30% dos filipinos são de etnia tagalo, a mais predominante no país. A língua, também conhecida como "pilipino", faz parte das famílias austronésias e apresenta semelhanças com idiomas oceânicos como o maori e o fijiano, e também com asiáticos como o indonésio e o malaio. As letras em tagalo são uma chance de se orientar ao se orientalizar.
December Avenue, assim como os primórdios do rock nas Filipinas, lançou diversos singles em língua tagalo incluindo Kung 'Di Rin Lang Ikaw – que conta com a participação de uma das maiores cantoras e compositoras do país, Moira Dela Torre. A colaboração não só é um reflexo do encontro de sons entre Ocidente e o Oriente, mas um enorme sucesso que alcança 140 milhões deplays no Spotify e 145 milhões de views no YouTube. December Avenue, definitivamente, embarcou nos fortes ventos da mudança pela avenida principal do século 21, a Internet.
De alma independente e de alcance pop, os ícones da "música original filipina" são verdadeiros hitmakers e hitmakers verdadeiros. Com poesia e sinceridade os jovens produzem lindas melodias que disputam com o pop e o K-pop, de igual para igual, nas paradas do país. December Avenue se tornou conhecida não pelas luzes e efeitos, pelo alvoroço das rádios e pelas roupas coloridas, mas pelas fortes melodias suaves que atingem o ouvinte em suas vulnerabilidades mais sensíveis. Pode ter levado mais de 10 anos para que os membros da banda rompessem a barreira do mainstream. Agora, assim como suas letras, desafiam a gravidade e não tocam o solo até ressoar por águas internacionais.
Independente e mainstream, ocidental e asiática, poderosa e simples, é questão de tempo para que a as pessoas saibam que a Original Pinoy Music, a OPM filipina, caminha rápido pelas maiores correntes de música do mundo. O K-pop, em definitivo, não reina mais sozinho com sua coroa de hits no continente asiático.
Olha que fantástico, além da história, ter a letra, estou aqui cantando a todo vapor hahaha. Amei.