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O SONORO CORREDOR POLONÊS

Bandas e artistas da Polônia mostram como novos tempos deram espaço a tempos novos no País.


Por FELIPE VIVEIROS*


Duas datas definem a história recente da Polônia: 1989, com o fim do comunismo e 2004, com a entrada na União Europeia. Na música, a primeira data significou o início da rádio comercial e das principais gravadoras do país. A segunda, abriu o território para grandes turnês internacionais e proporcionou facilidade de viagem para os artistas e o público em via de mão dupla. Tanto no final dos anos 1980 quanto nos anos 2000, chegou o momento em que o mundo conhecia a Polônia e a Polônia conhecia o mundo.


A mudança de regime resultou em uma explosão da cena musical local. Depois de décadas em silêncio, a nova onda de bandas e artistas conta com enorme popularidade, trazida por novas estações de rádio e revistas de música. Apesar da música pop agora estar disponível nas lojas, foi a música underground que teve o maior sucesso, em um cenário distinto e original. Um grande exemplo é Myslovitz, a maior banda polonesa de rock alternativo dos anos 1990 e 2000.


Vindos de uma pequena cidade da Silésia – importante zona industrial dividida entre a Polônia, a República Tcheca e a Alemanha – os membros do grupo nadaram contra a maré do pop com vocais agudos e “guitarra cinematográfica”. O clipe da canção The Sound of Solitude (2003) – dirigida pelo cineasta ganhador do Oscar de Melhor Fotografia, Janusz Kaminski (“A Lista de Schindler”), eclodiu na MTV Europa e conquistou audiência fora da Polônia. Myslovitz é inspirada em bandas britânicas de shoegazing e neo-psychedelia, como Ride e Stone Roses. Em plenos 1990, a sonoridade e as composições de Myslovitz desempenharam um papel significativo em uma época que emergia de uma tímida expressão musical e descobria a cultura jovem do resto do mundo. A liberdade de expressão polonesa abria, pouco a pouco, a mente e o coração dos cidadãos já livres.


foto: myslovitz / divulgação


A música da Polônia, embora famosa pela virtuosidade do compositor e pianista Frédéric Chopin, eclodiu com novos talentos e um estilo mais diversificado nos últimos 30 anos. Uma ícone dessa recente diversificação é a famosa cantora pop Doda, nascida em 1984. Ela viu que o fim do regime não contribuiu com as mulheres polonesas. Estereótipos culturais e religiosos ainda impõe o papel da maternidade e a importância da beleza. Doda chega para romper esse paradigma. A mulher mais famosa da Polônia, Doda é uma popstar, uma Barbie de atitude punk. Chopin à parte, a jovem é uma das artistas musicais polonesas de maior sucesso em todos os tempos. Descrita como “a Britney Spears polonesa”, a artista é uma boxeadora do som contra todos os que a insultam como blachara, termo polonês que descreve as mulheres que escolhem seus parceiros com base no carro que dirigem.


foto: doda / divulgação


A Polônia deu passos culturais consideráveis desde que aderiu à União Europeia, em 2004. Antes da mudança de regime, as discotecas e os DJs como os conhecemos hoje, eram uma realidade não vivenciada pelos jovens do país. A música eletrônica e as discotecas acompanharam as tribos urbanas até os anos 2000, quando o hip-hop e o beat-making da Polônia pularam a invisível Cortina de Ferro do mainstream. Seguindo os passos dos beats do país, veio o rapper O.S.T.R. em sua mistura distinta de batidas de rap, jazz e eletrônica. A história do hip-hop polonês coincide com a transição do regime fechado para o aberto, com a economia de livre mercado. As mudanças no estilo, funções, distribuição formal e informal do hip-hop, refletem uma situação socioeconômica de rápida transformação. Ao popularizar o gênero amplificou a voz dos "novos outros" do pós socialismo, ao som de inevitáveis adaptações à cultura jovem polonesa e da própria mudança de nome do gênero: o hip-hopolo.


foto: O.S.T.R. / divulgação


Sob o comunismo, o reggae também era proibido. A censura foi institucionalizada através da atividade do Escritório Central de Controle de Imprensa, Publicações e Shows – Główny Urząd Kontroli Prasy, Publikacji i Widowisk – que operava com um elaborado conjunto de limitações. Os artistas reggae poloneses lutaram pela abertura e deram poder aos seus ouvintes intelectual, emocional e espiritualmente. O movimento encontrou maneiras de reprimir as reprimendas. Os criadores codificavam suas mensagens em letras repletas de alegorias e metáforas. “Caminhar pelo jardim e se sentir feliz", era viver em um sistema livre. O governo não entendeu, mas a música passou a mensagem. Uma das pioneiras do movimento na década de 2000 é a banda Vavamuffin, formada no bairro industrial de Siekierki, em Varsóvia. O som do grupo combina o verde em torno do Lago Czerniakowskie e a fumaça das chaminés da usina de calor e energia de Siekierki, o que pode ser percebido ao ouvir no álbum Mo' Better Rootz, que chegou aos TOP 10 da Polônia em 2010.


foto: vavamuffin / divulgação


De maneira diferente da música da Era Comunista, os músicos poloneses hoje em dia não estão interessados em criar obras-primas e, sim, descobrir campos musicais novos. Ao estilo Red Hot Chili Peppers do pós-comunismo, a banda Łąki Łan apimenta a música funk com energia punk. Alquimia perfeita. Nos shows “ao vivo”, as letras do grupo se transformam em uma peça de teatro. O figurino? Fantasias de insetos, que cantam o estímulo da imaginação quando soltos nos campos culturais sem restrições da juventude da Polônia. A combinação do non-sense com música executada com perfeição, revela as ansiedades de uma sociedade que busca abraçar o novo. A preocupação com o próximo não caiu com a Cortina de Ferro. Suas letras, recheadas de neologismos e homônimos, falam sobre viver de acordo com as leis da natureza, cuidando das outras pessoas e respeitando umas às outras. A explosão de energia no palco é como a Polônia em uma tirolesa, que voa sobre o público sem saber o destino, mas consciente de que a individualidade é tão importante quanto a coletividade. Ser livre para não ser. E não ser nada além de livre.


foto: Łąki Łan / divulgação


Antes dos eventos pró-democracia do final dos anos 1980, a música popular na Polônia refletia as duras restrições impostas às experiências musicais dos jovens. Desde a revolução democrática de 1989, o cenário da música popular tornou-se cada vez mais complexo. Os estilos de música expandiram-se e os artistas poloneses, hoje, elaboram versões locais da música globalizada, criando faixas que são fiéis à criatividade nacional. Seja no pop de atitude punk de Doda, no rock industrial de Myslovitz, nos versos do rapper O.S.T.R, na liberdade do reggae de Vavamuffin ou na criatividade do funk de Łąki Łan, o efeito dessas tendências cria uma nova identidade à cultura da Polônia. É o Frédéric Chopin em uma rave alternativa, o Roman Polanski em um cenário non-sense, o Lech Wałęsa na construção de um novo tempo proletário, o Santo Papa João Paulo II em um clima que anseia pela paz de uma sociedade que vive mudanças. O influxo de novas ideias encontra um novo corredor polonês, sem obstáculos ou limites, onde o real é a participação na vida pública.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).

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