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MÃE DE TODAS AS FLORES

Aos 80 anos, Calypso Rose, cantora lendária de Trinidad e Tobago, inova a música do Caribe.


Por FELIPE VIVEIROS*


Já pensou se você tivesse nascido em Trinidad e Tobago? E estivesse com 80 anos? Calypso Rose, "a rainha da música calipso", tem a resposta. A música da experiente cantora e compositora tem chegado ao mainstream, atraído o interesse de programas de televisão em todo o mundo, encantado a mídia impressa e navegado nas ondas radiofônicas, em uma trajetória sem precedentes feita por uma artista trinatário-tobagense.


Situado ao longo da costa nordeste da Venezuela, Trinidad e Tobago se encontra na confluência do mar do Caribe com o Oceano Atlântico. O país consiste nas ilhas de Trinidad e de Tobago, sendo a primeira delas a maior e a mais povoada com 96% do total de habitantes. A ilha de Trinidad foi colônia espanhola desde a chegada de Cristóvão Colombo, em 1498, até 1797 quando o Império Inglês se apoderou do território. O pequeno país conquistou sua independência somente em 1962, e sua população é constituída, na maioria, de etnias africanas e asiáticas, estas últimas formada por indianos e chineses. A cultura indiana chegou às ilhas por meio trabalhadores que vieram para substituir a mão de obra escrava depois da abolição do regime escravista.


Calypso Rose, a cantora pioneira e principal embaixadora da música do país, nasceu Linda McArtha Monica Sandy-Lewis na pequena e pouco povoada ilha de Tobago, em 1940. Embora, hoje, seja conhecida como a“Rainha do Calipso”, a artista não ouvia o gênero quando criança porque seu pai, um evangelizador batista, considerava o estilo "música do diabo". Aos nove anos de idade, McArtha deixou o pequeno vilarejo de Bethel, onde morava com seus pais e 10 irmãos, para viver com seus tios na vizinha e mais agitada ilha de Trinidad. Aos 13 anos, a jovem começou a escrever seus primeiros calypsos, que já ansiavam por justiça ao abordar temas como delinquência juvenil e igualdade de gênero. Aos 15 anos, começou sua carreira de compositora sob o pseudônimo de Crusoe Kid, e teve um primeiro sucesso intitulado Glass Thief. McArtha, então, mudou seu nome artístico para Calypso Rose, porque "a rosa é a mãe de todas as flores".


foto: Mundo Negro


Calipso é um gênero descendente do "kaiso" da África Ocidental, cantado pelos escravos, que eram tratados como“mercadoria”, importados para trabalhar nas plantações de açúcar a partir do século XVII. Sob o disfarce de melodias alegres, assim como nossos cantos de capoeira, o estilo era usado para se comunicar e zombar dos senhores de engenho. Com a abolição da escravidão, em 1873, o gênero calipso dominou os carnavais anuais celebrados antes da Quaresma. As primeiras gravações do calipso foram feitas em 1912 e "as tendas de calipso"–assim chamadas as barracas que cobriam os palcos carnavalescos–surgiram em torno da capital de Trinidad, Port of Spain, na década de 1920. Nos 30 anos que seguiram, o ritmo caribenho havia se tornado amplamente influente nos EUA, com artistas de renome como Nat King Cole, gravando discos de calipso.


Calypso, “Espírito do mar”na mitologia grega, nadava contra a corrente. O palco das barracas de calipso dos anos 1950, em Trinidad e Tobago, ainda "não era para mulheres". No início de sua carreira a cantora foi desafiada por diversos homens que alegavam o direito masculino ao ritmo. Não era um caminho fácil para Rose, uma vez que sua família, muito tradicional, opunha-se a suas apresentações nas tendas de Carnaval. Era difícil ser mulher em uma cena predominantemente composta e dominada por homens. Rose lutou por seu espaço, e começou a cantar nas competições de calipso que faziam parte da temporada de Carnaval. Pouco a pouco, conseguiu ganhar o respeito de muitos... Mas, não de todos.


O objetivo das competições durante a temporada de Carnaval em Trinidad e Tobago é ver quem compõe a letra mais afiada em harmonia com a batida mais cativante. Um desafio que Calypso Rose abraçou. Muitas de suas letras são de natureza feminista e oferecem uma crítica social às condições de vida no seu país, bem como ao que acontece no resto do mundo. Suas letras, sem papas na língua, foram o trampolim para uma longa e respeitada história de sucesso. Rose, aos 80 anos, continua uma defensora inabalável dos direitos da mulher e severa combatente do abuso doméstico. A canção "Leave Me Alone", com a estrela de soca Machel Montano, e o ícone da musica alternativa, Manu Chao, tornou-se uma voz de mobilização pelos direitos das mulheres por espaços públicos livres de assédio no Carnaval de Trinidad. Rose escreveu mais de 800 canções e ajuda a definir o estilo, a estética e a forma de calipso enquanto revoluciona preconceitos musicais "do gênero" e políticos "de gênero".


foto: Paris Match via Getty Images


Embora a artista trinatário-tobagense tenha sofrido uma série de ataques cardíacos e sobrevivido a um câncer, ela não perde a animação e quando passa pelo aeroporto de em Port of Spain, Trinidad, rumo a uma turnê internacional: compra bebidas para os viajantes e faz uma animada apresentação na sala de embarque. Sessenta anos depois de escrever seu primeiro calipso, seu penúltimo álbum, Far From Home, co-produzido por Manu Chao, chegou ao TOP 10 das paradas da França, em 2016. Assim como o encontro do mar do Caribe com o Oceano Atlântico, onde situa-se Trinidad e Tobago, o álbum é uma confluência irresistível de calipso tradicional, soca moderna, leves brisas de reggae e violão acústico. A produção ganhou o certificado de platina na França e conquistou o prêmio Victoire de la Musique de 2017 (o equivalente francês ao Grammy).


A experiente artista de alma jovem também tem sido o foco de vários documentários, incluindoLioness of the Jungle (“Leoa da Selva”), um longa-metragem sobre sua trajetória, como cidadã e cantora–muito além do calipso. Rose é uma das personalidades mais emblemáticas da história de Trinidad e Tobago e foi condecorada com a Medalha de Ouro Humming Bird, honraria concedida aos trinatário-tobagenses por "serviços leais e dedicados à nação." Com mais de 60 anos de carreira, a artista está apenas começando. Rose não tem filhos, entretanto é a mãe de todas as flores, artistas e ouvintes de Trinidad e Tobago, que nascem e crescem no caminho de seu exemplo.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).



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