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ESTRELA DO PACÍFICO

Vanessa Quai traz harmonia para o mundo com R&B de instigante groove e reggae contestador de Vanuatu.


Por FELIPE VIVEIROS*


Há certos tipos e estilos de música que nos transportam para outras dimensões, criam paisagens sonoras que nos levam para muito longe de casa. Imagine-se agora voando entre montanhas escarpadas, planaltos de colinas onduladas e recifes de corais das mais variadas cores. Deixe que os trilhos do som levem você de ilha em ilha, por túneis que conectam a energia de vulcões submarinos e terrestres, todos ativos, prestes a entrar em erupção. E ainda o som do mover das florestas, dos animais. Entre os ruídos da natureza a as vibrações da música nativa, diversos dialetos melanésios são recitados em seus ouvidos. Você está em Vanuatu.


É difícil imaginar quantas vezes Vanuatu foi a pauta de suas conversas. Seja nos almoços de família, à mesa do bar ou até mesmo na Universidade, a nação-ilha do sudoeste do Oceano Pacífico provavelmente não foi pano de fundo de seus encontros e temas abordados. Mas merece ser. Formado por cerca de 13 ilhas principais localizadas a 800km de Fiji e 1.100 km da Austrália, esse território soberano não só é destino de férias na Oceania, como também um tesouro escondido para os apreciadores de cultura autêntica. Vanuatu significa Nossa Terra para Sempre e é fácil entender o porquê. Há cerca de "apenas" 3.320 anos, as ilhas de Vanuatu tiveram seus primeiros colonizadores: os melanésios da cultura Lapita. Hoje os indígenas melanésios representam mais de 99% dos habitantes do país e são conhecidos, com orgulho, como Ni-Vanuatu.


Os primeiros europeus chegaram atrasados — e sem serem convidados— só no século 17, em uma expedição espanhola liderada pelo navegador Fernandes de Queirós, que reivindicou o arquipélago para a Espanha e o nomeou La Austrialia del Espíritu Santo. Não demorou muito até que a França e o Reino Unido também reivindicassem partes do arquipélago e, no século 20, administrassem de maneira conjunta as terras melanésias por meio de um governo colonial anglo-francês. O domínio dos dois países seguiu vigente até 1980 com a conquista da independência. Oito anos depois nasce Vanessa Diandra Sally Ann Kiristiana Quai, mais conhecida como Vanessa Quai, a estrela do país.


foto: divulgação


A compositora fez de Vanuatu o mundo, com turnês pelo Canadá, Egito, Europa, Austrália, Nova Zelândia, Nova Caledônia, Taiti, Fiji, Papua Nova Guiné e Ilhas Salomão. Assim como seus ancestrais que povoaram as ilhas, Vanessa Quai chegou cedo para conquistar, na música, o direito às terras de seu povo. O primeiro álbum, To Aitape With Love(1998), foi gravado quando a cantora tinha apenas 9 anos de idade.


A paixão, o encanto e energia de Vanessa pela música e, pelo belo lugar onde nasceu, sempre foram tão grandes que o segundo, terceiro e quarto álbuns vieram nos três anos seguintes: Beautiful Pacific Islands (2000), The Untouched Paradise (2002) e Pacifika (2003). A faixa Freedom, assim como os famosos vulcões da ilha, entrou em erupção nas paradas de rádio de Vanuatu, Ilhas Salomão e Papua Nova Guiné, transformando a compositora em uma das artistas mais populares do Pacífico. Nova embaixadora cultural do país insular, Vanessa revelava a grandiosidade de sua nação e foi artista honorária no Parlamento Australiano em Camberra, convidada pelo então Primeiro Ministro John Howard, em 2004.


Entre elementos predominantes do estilo gospel e grandes variações da música tradicional à moderna, Vanessa Quai conquistou o continente oceânico com baladas lentas, R&B de muito groove, reggae contestador e harmonizações do Pacífico Sul. A jovem cantora traz a diversidade da Oceania para os palcos, revelando o caráter multicultural do continente. Assim como os seus ritmos e sabores, sua voz também é poliglota seja em Bislama (inglês crioulo de Vanuatu), Tok Pisin e Motu (idiomas da Papua Nova Guiné) ou em língua austronésia das Ilhas Fiji.


Pouco a pouco Vanessa Quai levou, nos trilhos do som, as populações e gerações não-melanésias do mundo para as montanhas escarpadas e os planaltos de colinas onduladas de Vanuatu. A artista, aos 19 anos, recebeu a Medalha Nacional de Mérito Vanuatu, reconhecida por ser a embaixadora cultural mais jovem da história do país. E não parou por aí. A estrela do Pacífico brilhou ainda mais quando recebeu, condecorada pelo próprio Presidente da República, a Medalha do Jubileu Nacional de Prata de Vanuatu, sendo a primeira e mais jovem mulher Ni-Vanuatu a obter tal prêmio. Aos 21 anos a artista, com poucos anos de vida e já muitos de música, era aclamada pelo renomado jornal britânico The Guardiancomo um dos "ícones culturais vivos" do país.


Vanessa Quai prova que a música evade as fronteiras do tempo e ultrapassa os limites do espaço. A diva nativa das ilhas já declarou que seu objetivo não é apenas cantar sobre as belezas de sua terra, mas também discutir questões importantes para o mundo. Sua canção True Harmony é um som de cura para as divisões causadas pelos Golpes Militares que assolaram Fiji em 1987, 2000 e 2006. Sua sonoridade, em harmonia com a astúcia do jazz e com a calma do soul, são um pedido de unidade, uma oração para um país em esforços de reconciliação. A faixa Merdeka (Free West Papua), aborda a luta da Papua Ocidental, que desde a ocupação indonésia em 1963, teve sua população dizimada etnicamente. A compilação Free West Papua - Rize of the Morning Star, da qual Vanessa Quai faz parte, também faz da música um instrumento ativo de mudança. O álbum, com artistas de diversos países, é uma maneira de conscientizar a comunidade internacional sobre a defesa de direitos humanos e usar a música como canal de comunicação para promover diálogo e, principalmente, combater opressão.


foto: divulgação


Vanessa Quai é uma mensagem positiva que recebemos do Pacífico. Uma estrela em eterna ascensão que inspira amor e unidade em meio a conflitos étnicos, disputas religiosas e descumprimento dos princípios básicos da vida. A proposta da cantora de Vanuatu pode vir de longe, mas é certamente universal. Seja em qualquer um dos sete continentes, seus ouvintes têm a chance de se envolver em letras de consciência social, imagens sonoras de paz e estética de esperança. O caminho sempre estará aberto para a jovem que, estrela-guia, orienta o mundo que parece buscar, mas ainda não sintonizar, com sua verdadeira harmonia.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).


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