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CONFIANTE UKULELÊ

Nas espumas das revoltas ondas do Pacífico, músicos de Tuvalu fazem o conhecimento borbulhar e emocionar.


Por FELIPE VIVEIROS*


É comum que o nosso conhecimento sobre geografia termine nas últimas fronteiras da Ásia, como se os humanos não existissem para além dos limites da China, Coreia e Japão, como se o último lugar que pudéssemos chegar no mundo fosse o “extremo Oriente”. Para quem tem sede de Humanidade, nada é extremo. No meio do caminho entre o Havaí e a Austrália, há um arquipélago de 26 quilômetros quadrados moldado pelo encontro dos vulcões com os recifes e a brisa do mar. Uma região de origem polinésia, que consiste em seis atóis dispersos pelo Oceano Pacífico. Se o mundo está longe de nós, é porque ainda não chegamos perto dele. Seja bem-vindo ao quarto menor país do mundo: Tuvalu.


Caso você não seja historiador – de preferência com pós e especialização em Oceania – as origens do povo de Tuvalu são provavelmente desconhecidas. Não é motivo de constrangimento. Todos temos a tendência de nos isolarmos em nossas próprias aglomerações. Nascemos das bolhas de egos culturais, políticos e econômicos. Mas, a escolha de nos mantermos nelas é nossa. Só saem das bolhas os que transcendem a “preguiça cultural”, uma incessante busca pelo confortável, parecido, conhecido. Nas espumas das ondas do Pacífico, deixe Tuvalu fazer o seu conhecimento borbulhar.


As origens do povo de Tuvalu começam há cerca de (apenas) 3000 anos. Muito antes das invasões europeias da Oceania, os polinésios já viajavam de canoa entre as ilhas do continente oceânico. As habilidades de navegação polinésias lhes permitiam fazer trajetos planejados à vela de casco duplo ou em canoas de popa. Os primeiros colonos vieram de Samoa e, após o século 14, números menores de correntes migratórias vindas de Tonga, Ilhas Cook e Kiribati contribuíram para a formação do país. Os europeus “descobriram” essa nova civilização de milhares de anos, apenas no século 16. Hoje, Tuvalu pode ser descrito como um microcosmo da Polinésia, onde estilos ocidentais contemporâneos coexistem com as formas ancestrais de ser, como traz o músico sensação do país, TK Music.


foto: divulgação


A música tuvaluana – ao contrário do que muitos imaginariam – é de fácil acesso e pode ser encontrada em canais no YouTube como MusicTuvalu. TK Music conquistou a fama com videoclipes que mostram as paisagens deslumbrantes de um dos países menos visitados do mundo (média de três turistas por dia). Nascido e criado em Tuvalu, o artista mostra que a música faz com que o território seja destino em todos os continentes, nas plataformas de streaming e de compartilhamento. Formado em Medicina, TK sabe operar para além dos consultórios médicos. Encontrou no canto e na composição, seu próprio estetoscópio, que faz com que a música de Tuvalu pulse a batida de sua própria cultura, com toque cirúrgico de criatividade. Seu videoclipe Tuu Mo Aganuuu ultrapassou a marca das 400.000 visualizações no Youtube, em um país de 11.000 habitantes. Ao harmonizar a língua tuvaluana com o inglês, o músico é um verdadeiro doutor em manter a ancestralidade contemporânea.


Com a expansão do Império Britânico, Tuvalu, então chamada de “Ilhas Ellice”, tornou-se um protetorado em 1892. Quase 25 anos depois, passou ao status de colônia conjunta com as Ilhas Gilbert, conhecidas hoje como a nação do Kiribati. A partir da década de 1960, tensões raciais e rivalidades surgiram entre os dois grupos e exigências de secessão por parte dos habitantes de Tuvalu resultaram em um referendo. Depois de quase uma década e meia de embate político, a antiga administração foi dividida em duas colônias britânicas: Tuvalu e Kiribati. A cisão abriu precedentes para que Tuvalu se tornasse independente em 1978. Os britânicos, depois de décadas de colonialismo, reconheciam a grandeza da pequena nação do Pacífico. Nos anos seguintes, o rádio forneceu acesso à música pop europeia e aos ritmos do ukulelê havaiano que influenciaram a música moderna tuvaluana, como no trabalho do cantor e compositor Soloseni Penitusi.


foto: divulgação


Famoso em Funafuti – que com 5.000 habitantes é a capital e maior cidade do país – Soloseni Penitusi faz shows com frequência na vizinha Nova Zelândia. O cantor compõe desde 1975 e sua música é mais antiga que a independência de seu país, e tão autônoma quanto. Ninguém ensinou o artista a cantar ou a compor canções. É um talento natural que mantém a identidade firme ao cantar e contar a história de seu país em língua tuvaluana. Embora o tuvaluano e o inglês sejam as línguas nacionais, o idioma dos colonizadores está longe de ser usado na vida diária do país. Os habitantes locais, assim como Penitusi, fazem questão de se comunicar no idioma polinésio, seja na fila dos Correios ou dentro do Parlamento. Estamos falando de uma identidade pan-oceânica relacionada, de maneira íntima, aos primeiros colonos samoanos e aos vizinhos havaianos, maori, rapa nui e tonganeses. Falar, compor e escrever em tuvaluano é uma questão de respeito àqueles que chegaram primeiro há quase 3000 anos. Entretanto, nem sempre foi assim.


Quando Soloseni Penitusi começou a escrever canções nos anos 1970, não havia muitos músicos tuvaluanos que cantassem no idioma local. Armados de história e revestidos de ancestralidade, eram poucos os artistas que se aventuravam pelos caminhos das próprias canções. Graças ao sistema de comunidade, a música se manteve no país. Em Tuvalu, cada membro da família desempenha um papel, conhecido como salanga, na comunidade. As habilidades de uma família são transmitidas de pais para filhos. Solesini Penitusi passa, com grande responsabilidade a salanga da música para os filhos. Hoje é a nova geração da família que começa a compor suas próprias canções. E não só. Aprendem com o pai e a sua música, temas de importância político-ambiental como as mudanças climáticas e os seus efeitos nas pequenas nações do Pacífico. Em Tuvalu, o futuro não acontece amanhã. É algo contínuo.


O estilo de vida tuvaluano não tem medo de ser Ocidental, porque é seguro de seu caráter polinésio. Embora haja apenas uma única estação de rádio no país, músicos locais mostram que as terras de Tuvalu não têm limites quando alcançam a Internet. Hoje os tuvaluanos, enquanto pescam em suas canoas artesanais, escutam e olham seus próprios artistas velejarem nas milhares de visualizações do Spotify e do YouTube. A vida pode ser moderna em sua ancestralidade. O mundo deveria ser um pouco mais tuvaluano: seguro de si, independente e com forte senso de comunidade. TK Music e Soloseni Penitusi deixam claro quem está, de fato, isolado no outro lado, o “Extremo Ocidente”.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).




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