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A ÁRVORE DA DISCÓRDIA

Filme islandês de comédia obscura mostra como racionalidade e razão se desmoronam quando há tristeza.


Por FELIPE VIVEIROS*


Qual a importância de um raio de sol? Em um país onde os verões sopram geladas temperaturas que oscilam entre 10°C e 14°C, a sombra da árvore do vizinho pode dar frutos que vão além de nossa racionalidade. Viver em sociedade é difícil. Esse é o tema do filme islandês dirigido por Hafsteinn Gunnar Sigurðsson.


A Islândia é considerada o quarto país mais feliz do mundo de acordo com o ranking produzido pelo World Hapiness Report, pesquisa que conta com apoio da ONU para o monitoramento da felicidade no Planeta. Fatores como expectativa de vida, apoio do governo, confiança nas instituições públicas e percepção de liberdade são avaliados. Em nação com cerca de 320.000 habitantes, elevado padrão social e um dos maiores PIBs per capita do mundo, a Islândia mostra que a felicidade de seus habitantes provém de um excelente sistema de previdência social, saúde e educação. Seria possível que uma discussão, entre vizinhos, pela falta de sol pudesse abalar esse feliz clima? O filme A Árvore da Discórdia (2017) aquece o debate em uma comédia obscura que questiona como a racionalidade e a razão se desmoronam quando na presença da tristeza.


O diretor da obra, Hafsteinn Gunnar Sigurðsson, declarou em entrevistas que sua inspiração para o longa foi não o alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, mas sim, o alto "Índice de Raiva do Vizinho" na Islândia. O cineasta constrói um drama cômico que transita pelo imprevisível, o mundano e o inteligente. A Árvore da Discórdia foi o representante da Islândia ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018 e apresenta trilha sonora do aclamado compositor Daniel Bjarnason, que dá o tom sombrio aos limites da vida em sociedade. Uma parábola cinematográfica com premissa simples.


foto: divulgação


Imagine a primavera no subúrbio de Reykjavík, capital próxima ao Círculo Polar Ártico com cerca de 130.000 habitantes. Eyborg, a esposa de Konrad, aprecia um "bronzeado" nos frescos dias de sol no quintal de sua casa, oportunidade rara na cidade. Então, surge um impasse: a árvore no quintal dos vizinhos, Baldvin e Inga, lança uma sombra gigantesca, que não só deixa os raios de sol mais longes de Eyborg, como estende um clima sombrio sobre a vizinhança. Como bons islandeses, as discussões a respeito da árvore, em princípio, são cordiais. Não se poderia perder a compostura em um país de tanta calma e estabilidade, certo? Errado.


Atli, o filho de Inga, é acusado por sua esposa, Agnes, de ser infiel e, diante disso, é forçado a mudar de volta para a casa de seus pais. O retorno, no entanto, é bastante inoportuno, pois Baldvin e Inga se veem em plena guerra com seus vizinhos, Konrad e Eybjorg. O que começa como uma disputa trivial sobre a sombra da árvore se transforma em uma arena suburbana de hostilidade, à medida que os vizinhos, de maneira incessante, acusam e atacam uns aos outros. Inga recusa-se a aparar a árvore.


Enquanto isso, Atli, ao tentar falar com sua esposa e filha, é acusado de perseguição e sequestro. As duas histórias se desenrolam em paralelo. Agnes atormenta a vida do marido e o proíbe de ver a própria filha. Enquanto isso, na casa dos pais de Atli, o cenário se agrava: pneus são furados, o cachorro desaparece e surpresas com uma pistola de pregos esperam na garagem. A pacata e feliz Islândia sofre uma metamorfose de absoluta selvageria em ansiosa busca por felicidade nos raios de sol.


foto: divulgação


A Islândia tem uma indústria cinematográfica notável, com muitos atores islandeses que passaram a merecer atenção internacional. O filme mais famoso, e o único a ser nomeado ao Oscar e ao European Film Awards, é Börn náttúrunnar (“Crianças da Natureza”), dirigido por Friðrik Þór Friðriksson. Esse filme trouxe o cinema islandês para o mundo na década de 1990 e, desde então, o cinema do país caminha sob boa receptividade do público internacional. A Árvore da Discórdia é um exemplo recente desse sucesso.


Meticulosamente equilibrada e tensa, a produção de Sigurðsson envia mensagem humana exaltando um pouco o que seja a “inveja nórdica”. A melancolia, o absurdo e a perda de juízo fogem ao controle de maneira rápida com tantos desentendimentos. A Árvore da Discórdia é uma rara comédia sombria que, ao unir o sútil ao agressivo, escancara a montanha russa de emoções e decisões precipitadas que passam por nossas “civilizadas” cabeças humanas. Seu humor pode ser apreciado nas surpreendentes ações dos personagens e, em sua natureza obscura, revelando a complexidade que vai muito além do que a repousante sombra de uma árvore.


*Felipe Viveiros, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda).



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